quarta-feira, 29 de outubro de 2008

Batismo de Sangue



“O céu e a terra não são bondosos
Tratam os dez mil seres como cães de palha”


Tao Te Ching, cap 5

O mistério continua.

A história se entrelaça...
Quatro de abril de 1968, Rogério Duarte é preso ao tentar ir à missa de sétimo dia de Edson Luís.
Quatro de setembro de 1969, sequestro do embaixador norte-americano Charles Elbrick. Entre seus participantes, Fernando Gabeira e Carlos Marighella.
Ainda em 1969, Frei Tito, entre outros padres dominicanos, é preso em operação que visava a morte de Carlos Marighella. No início de 70 ele é torturado sob o comando do delegado Sérgio Paranhos Fleury. Em 71 é libertado com mais 14 presos políticos, em troca da libertação do embaixador suíço Giovani Enrico Bucher, sequestro mostrado na adocicada série “Anos Rebeldes”.

... a minha história
16 de abril de 2007 com muita dor e sofrimento fui balizada durante a pré-estréia do filme “Batismo de Sangue”. Sábado passado, 25 de outubro de 2008, terminei de assistir a série “Anos Rebeldes”, tão importante para minhas irmãs durante a adolescência. Domingo votei em Gabeira. Agora leio “Tropicaos”, de Rogério Duarte e minha pergunta se revela em seu texto caótico:

“Eu e o Ronaldo fomos escolhidos, os únicos entre vinte milhões de padres, artistas, favelados. Por isso será dado um lugar especial para nós na história. (...). Mas eu quero que ninguém se esqueça do recado: Da próxima vez serão outros. É preciso exterminar os 20 milhões.”

Sempre tive muito receio de ver filmes sobre a tortura na ditadura. Sou muito sensível à cenas violentas. Mas, às vezes, também é importante sentir a profundidade da ferida no corpo da nossa pátria, mãe gentil...

E por mais que o filme me desse uma noção da dor, sei que não posso sentir 10% do que realmente foi... Li o depoimento de um dos atores (acho que do Léo Quintão) dizendo que nas filmagens ele sabia que quando quisesse, podia pedir para parar, o que não acontecia na realidade. Essa percepção é muito forte...

Sofri muito durante a exibição. Quando os créditos do filme começaram a subir, a platéia começou a aplaudir e eu me recusei a isso. Estava com uma dor tão profunda, que parecia que se eu aplaudisse, estaria aplaudindo os atos de violência assistidos.

Foi preciso deixar passar TODOS os créditos para que eu me sentisse aplaudindo o diretor, os atores, toda produção e personagens reais, presentes na exibição. Depois tive vontade de abraçar todo mundo, num gesto de solidariedade.

Saí do Odeon pensando em quais seriam os violentados do momento presente (Os tais 20 milhões).

Foi difícil... mas imprescindível.

4 comentários:

Anônimo disse...

Se hoje é difícil suportar estas cenas por duas horas, imagine o que foi ver esta realidade por alguns anos.

Mas já que você encarou este filme que é meio descritivo, posso te sugerir algo mais elaborado? Ação entre amigos, de Beto Brant. O filme não trata diretamente da ditadura, mas das marcas que ficaram décadas depois. Quatro amigos que só têm em comum o lugar onde se conheceram e o torturador que compartilharam. Para mim é muito mais marcante, já que uma dor carregada por décadas pode ser muito pior do que a dor imposta no momento e suportada pelo ideal de luatr contra.

Cintia de Sá disse...

As marcas são um passo à frente e foram levemente mostradas no filme, quando Frei Tito é exilado e não consegue se livrar dos fantasmas. Mas estou experimentando essa experiência, de forma mais profunda, no livro do do Rogério Duarte "Tropicaos". Muito bom, também recomendo.

Acho Batismo um filme didático. Ser descritivo é bom. Cresci ouvindo falar do pau-de-arara, mas ver como isso funciona amplia a consciência do fato.

Lucas Lopes disse...

Olá Cintia. Eu siceramente não gosto do filme Batismo de Sangue, e odeio com todas as forças o seu diretor Helvécio Ratton, que também trabalhou com não-atores que viveram a realidade retratada na tela no filme Uma Onda no Ar, um filme extremamente racista e simplório. Concordo com voce quando diz que o filme é didático. Mas pra mim ele é bom como um material didático. Enquanto cinema, considero um filme franco.


Gostei do seu blog, não concordo com tudo que escreve, mas é interessante e construtivo observar opiniões diferentes. Vou dar uma olhada de vez em quando.

Cintia de Sá disse...

Grata Lucas.
Não tenho conhecimento técnico sobre cinema e tudo que escrevo é baseado apenas nos meus sentimentos e percepções. Essa é a minha proposta.

Também não tenho opinião sobre o Helvécio Ratton, este foi o único filme dele que vi.

Suas opiniões diversas serão bem-vindas. Bom pra quem chegar e ler vários lados do mesmo filme.