quarta-feira, 19 de novembro de 2008

Jogos de suspense

"Dez negrinhos vão jantar enquanto não chove; 
Um deles se engasgou e então ficaram nove. 
Nove negrinhos sem dormir: não é biscoito! 
Um deles cai no sono, e então ficaram oito. 
Oito negrinhos (...)
E depois? O urso abraçou um, e então ficaram dois. 
Dois negrinhos brincando ao sol, sem medo algum;
Um deles se queimou, e então ficou só um. 
Um negrinho aqui está a sós, apenas um;
Ele então se enforcou, e não ficou nenhum."

Nunca pensei em escrever sobre Jogos Mortais, mas enfim, quero falar da insatisfação em vê-lo. Confesso que sou fã de suspense, mas uma boa história é difícil de escrever. Na adolescência li alguns livros da Agatha Christie e me deliciava. O primeiro que li foi “Os elefantes não esquecem”, como não sou elefante, já esqueci a trama toda. O mais marcante foi “O assassinato de Roger Ackroyd”, inesquecível por diversas nuances, mas principalmente por uma constatação constante do investigador Poirot: todo mundo tem um segredo. Isso foi mais importante que a trama do assassinato. 

Depois, os livros dela foram se tornando pouco surpreendentes pra mim, não que eu adivinhasse a trama antes do fim, mas por achar que o jogo era injusto. A autora raramente revelava fatos cruciais para decifrar o enigma, então, você podia ter descconfianças, mas ela sempre ganharia no último capítulo. Isso sim, pareceu-me tedioso e desleal, do tipo “não sabe brincar, não brinca”. E é nessa direção que Jogos Mortais segue. Esclareço que vi apenas o primeiro e foi suficiente para perceber a desonestidade da história.

Quando o lançaram, muitos diziam entusiasmadamente que se tratava de um filme com final surpreendente. Na minha opinião, um final estapafúrdio, onde o espectador não tem chance de chegar. Mesmo assim, o filme poderia ter um conteúdo plausível, que justificasse o desfecho tirado da cartola. Mas nem isso! Lembrei-me desse filme porque acabei de ler “O caso dos dez negrinhos”, que me indicaram dizendo que o filme Identidade havia sido baseado nele. Como gostei de Identidade, resolvi ler. Há uns dez anos não lia Agatha Christie e mais uma vez a história é contada de forma incompleta e no final, ela vence. Mas nesse livro, isso não faz a mínima diferença. A insanidade do final é explicada por uma mente psicopata perfeita. Um assassino admirável, com o nível de inteligência do psicopata de Seven e de Hannibal, que pra mim são os dois personagens mais bem bolados do gênero. Já em jogos mortais, o assassino também não sabe brincar. Ele impõe a suas vítmas, situações impossíveis de serem superadas, que é contrária à teoria de que ele está tentando salvá-las. Incoerência total. A estética mórbida me agrada, aliás, fui atraída pelos cartazes do fime. O argumento é interessante, mexe com a imaginação. Mas, falta criatividade para dar conta disso tudo.

Só para registro, a única coisa que Identidade e O caso dos dez negrinhos possuem em comum é o clima tenso, de assassinatos consecutivos. O resto é resto. Mais vale o processo de suspense que a história em si.

A direção de arte dos cartazes de Jogos Mortais é ótima, continua surpreendendo com "detalhes" mórbidos.

Identidade também tem um cartaz à altura do filme. Muito bom!




Gosto do título em inglês, demonstra que o fim dos personagens é o menos importante. A primeira capa eu acho que tem Photoshop demais, mas a idéia é boa. Na segunda tem elemento demais gritando, mas a idéia também é boa. Este último tem a melhor solução gráfica, mas falta identidade com a história...

Um comentário:

Anônimo disse...

Jogos Mortais realmente não merece comentários. Comete bobagens que me irritam profundamente, do tipo: o cara que serra a perna é um médico, e escolhe a forma mais dolorosa e demorada para fazer isso. Eu que sou leigo sei que romper ligamento é mais fácil que serrar osso.

Compartilho totalmente teu desgosto com Agatha Christie pelo mesmo motivo. Ela não faz suspense nem mistério, limita-se a lançar mão de truques sujos (o de dez negrinhos merecia o prêmio de pior truque no gênero, pior que gol de mão). Eu confesso que insisti, li alguns livros dela, o único que consegui terminar sem muita raiva foi exatamente o Roger Ackroyd.

Eu prefiro suspense como o de Os Suspeitos e O Sexto Sentido no cinema, ou como os de Connan Doyle e Andrea Camilleri na literatura. Seja por nos darem todos os elementos para entender, seja por não fazerem do suspense a única "qualidade" do livro. Nas histórias de Sherlock Holmes nós até queremos saber quem é o criminoso, mas no fundo nos deleitamos muito mais com as excentricidades de Holmes e sua amizade com Watson. Nos contos de Camilleri, não é impossível esquecer o suspense enquanto lemos sobre o dia-a-dia de Montalbano - sua paixão por comida, sua relação com Livia, seus acessos de raiva e principalmente seus impagáveis colegas de trabalho.

Aqui no Brasil destaco dois grandes escritores de suspense. Rubem Fonseca, que dispensa comentários. Luiz Alfredo Garcia-Roza talvez seja menos conhecido, mas tem livros deliciosos em que nos sentimos em plena Copacabana acompanhando os passos de Espinosa - tanto que se você me perguntar quais são os crimes eu juro que não lembro, mas cada vez que passo em Copacabana lembro: foi aqui que o Espinosa fez isso ou aquilo. Até um ótimo restaurante eu descobri por causa dele.