quarta-feira, 26 de novembro de 2008

O gosto do chá


Saborear a vida nos pequenos detalhes. Respeitar as direnças de cada ser, observá-los como uma requintada e preciosa obra de arte. Contemplação do dia-a-dia, sua beleza e conflitos. O cotidiano simples, sem grandes acontecimentos, mas com muita poesia, carinho e cuidado. Assim vivia a família retratada em O gosto do chá. Cada um em seu universo particular, seu problema, encontrando sua solução, vencendo obstáculos. Não se espera nada do outro. Calma, com alma. Simplicidade. A cerimônia do chá refletina na vida familiar.

“Cada um com o seu cada um” dizia uma amiga minha, por volta dos meus vinte anos. Passado muito tempo, ainda sinto dificuldades em praticar e percebo que não importa a idade, sexo, grau de instrução, nacionalidade... todos temos essa dificuldade.

Compreender personalidades mais fechadas, menos expansivas é difícil. Alegria é sorrir e abraçar todo mundo. Amar é contato. Mas existem diversas formas de toque e afeto. A expansividade é um bom esconderijo pra falta de profundidade nas relações. Vivemos assim, afastados. A família do filme não se abraça, não se beija, mas se respeita e se ama.

Profundidade. Algo só é dito e feito quando há consistência. Sem superfialidades, medita, estuda, investiga, amadurece. Quando o pensamento já não cabe mais em si, faz-se.

Tempo.

A rotina tem seu encanto, crítica de Eduardo Valente.

quarta-feira, 19 de novembro de 2008

Jogos de suspense

"Dez negrinhos vão jantar enquanto não chove; 
Um deles se engasgou e então ficaram nove. 
Nove negrinhos sem dormir: não é biscoito! 
Um deles cai no sono, e então ficaram oito. 
Oito negrinhos (...)
E depois? O urso abraçou um, e então ficaram dois. 
Dois negrinhos brincando ao sol, sem medo algum;
Um deles se queimou, e então ficou só um. 
Um negrinho aqui está a sós, apenas um;
Ele então se enforcou, e não ficou nenhum."

Nunca pensei em escrever sobre Jogos Mortais, mas enfim, quero falar da insatisfação em vê-lo. Confesso que sou fã de suspense, mas uma boa história é difícil de escrever. Na adolescência li alguns livros da Agatha Christie e me deliciava. O primeiro que li foi “Os elefantes não esquecem”, como não sou elefante, já esqueci a trama toda. O mais marcante foi “O assassinato de Roger Ackroyd”, inesquecível por diversas nuances, mas principalmente por uma constatação constante do investigador Poirot: todo mundo tem um segredo. Isso foi mais importante que a trama do assassinato. 

Depois, os livros dela foram se tornando pouco surpreendentes pra mim, não que eu adivinhasse a trama antes do fim, mas por achar que o jogo era injusto. A autora raramente revelava fatos cruciais para decifrar o enigma, então, você podia ter descconfianças, mas ela sempre ganharia no último capítulo. Isso sim, pareceu-me tedioso e desleal, do tipo “não sabe brincar, não brinca”. E é nessa direção que Jogos Mortais segue. Esclareço que vi apenas o primeiro e foi suficiente para perceber a desonestidade da história.

Quando o lançaram, muitos diziam entusiasmadamente que se tratava de um filme com final surpreendente. Na minha opinião, um final estapafúrdio, onde o espectador não tem chance de chegar. Mesmo assim, o filme poderia ter um conteúdo plausível, que justificasse o desfecho tirado da cartola. Mas nem isso! Lembrei-me desse filme porque acabei de ler “O caso dos dez negrinhos”, que me indicaram dizendo que o filme Identidade havia sido baseado nele. Como gostei de Identidade, resolvi ler. Há uns dez anos não lia Agatha Christie e mais uma vez a história é contada de forma incompleta e no final, ela vence. Mas nesse livro, isso não faz a mínima diferença. A insanidade do final é explicada por uma mente psicopata perfeita. Um assassino admirável, com o nível de inteligência do psicopata de Seven e de Hannibal, que pra mim são os dois personagens mais bem bolados do gênero. Já em jogos mortais, o assassino também não sabe brincar. Ele impõe a suas vítmas, situações impossíveis de serem superadas, que é contrária à teoria de que ele está tentando salvá-las. Incoerência total. A estética mórbida me agrada, aliás, fui atraída pelos cartazes do fime. O argumento é interessante, mexe com a imaginação. Mas, falta criatividade para dar conta disso tudo.

Só para registro, a única coisa que Identidade e O caso dos dez negrinhos possuem em comum é o clima tenso, de assassinatos consecutivos. O resto é resto. Mais vale o processo de suspense que a história em si.

A direção de arte dos cartazes de Jogos Mortais é ótima, continua surpreendendo com "detalhes" mórbidos.

Identidade também tem um cartaz à altura do filme. Muito bom!




Gosto do título em inglês, demonstra que o fim dos personagens é o menos importante. A primeira capa eu acho que tem Photoshop demais, mas a idéia é boa. Na segunda tem elemento demais gritando, mas a idéia também é boa. Este último tem a melhor solução gráfica, mas falta identidade com a história...

quarta-feira, 12 de novembro de 2008

X-life

"Não se preocupe em entender, viver ultrapassa qualquer entendimento" Clarice Lispector

Vivemos e tentanmos compreender nosso significado. Desconfiamos de diversas coisas que não conseguimos provar. Relatamos a vida de forma inconclusiva, não importa a idade, o sexo, localização e classe social. Por mais firme que seja a ciência nesses dias insanos, por mais avançada que seja a sociedade, o máximo que conseguimos fazer é querer acreditar.

Cremos em experimentos, cálculos, lógicas, filosofias, religiões... O que mais me atraiu na série foi e a certeza do incerto. A ciência não é soberana, soberano é o caos. Ela não encerra todas as respostas, é apenas um conjunto de perguntas, algumas respondidas, a maioria não. Na época em que conheci Arquivo X, em seu sexto ano, eu havia deixado recentemente uma carreira na área de saúde para me dedicar à ciência inexata da arte. Haviam perguntas demais na minha cabeça, a maior parte sem resposta. Compreender a vida através da ciência era insuficiente. Lembro-me de uma noite de chuva, em que observava a luz, o balanço das árvores, a água... um amigo me perguntou: “sabe porque acontece isso?”. Referia-se a algum fenômeno natural muito bonito, não lembro qual. Sei que ouvi uma explicação e pensei que aquilo não tinha o menor significado pra mim. O importante era estar ali e apreciar o momento.

Eu via Arquivo X não com interesse em compreender a pseudo-explicação científica para fatos inexplicáveis e irreais. Pra mim, era só um trampolim para o prazer de imaginar que as coisas são bem diferentes do que nossos sentidos captam e a mente processa. Nós somos insignificantes. A verdade está sempre lá fora. Inatingível. Não há o que se fazer para encontrá-la.

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P.S.: "Quando o filósofo alemão Friedrich Nietzsche afirmou que não há fatos, só interpretações, não poderia imaginar que poucas décadas depois seria confirmado por um matemático." Carla Rodrigues. Vale a pena conferir o texto na íntegra: http://carlarodrigues.uol.com.br/index.php/570

quarta-feira, 5 de novembro de 2008

Meu nome não é 171

Essa história dava um caldo melhor..












Meu nome não é Johnny
parece ingênuo como os meus anos 80. Espero que os jovens de hoje não se deixem levar por esse conto da Carochinha, porque a ingenuidade tem seu preço e, nesse caso, pode ser alto demais.

Se você não viu o filme, melhor não ler o texto de hoje, tem um monte de spoiler.

Talvez a ingênua seja eu. Pode ser que um jovem, de classe média carioca, consiga realmente se viciar sem nenhum transtorno. E como prêmio por sua honradez, passe a vender drogas pra pagar as festinhas e a diversão com os amigos. Isso, repito, sem efeito colateral algum! É possível que tubarões do tráfico sejam caras solícitos, que oferecem sua mercadoria a pessoas expansivas e fazem convites simpáticos para passear pela Europa, com trouxinhas embaixo do braço e todas as facilidades do mundo.

Incluído no pacote de boas perspectivas, há o amor, a pessoa ideal que surge inesperadamente e convive na insegurança do dia-a-dia sem maiores problemas, mesmo com quilos de droga dentro de casa, pouca infra-estrutura e pertubações de viciados na portaria do prédio. Mas nada impede a felicidade, apenas o ciúme atormenta o casal.

Acredito que aconteça do mocinho descobrir que está sendo chamado de bandido e ter a chance de provar, aos olhos da justiça, que de vilão ele não tem nem o nome. Desse modo, talvez consiga salvar seus amigos e se torne um herói.

Por fim, pode ser que alguém saia da cadeia sem máculas e que o sistema penitenciário o ajude a mudar. Sim, tudo é possível! Pois bem, o Natal tá chegando e vou escrever minha cartinha destinada ao Pólo Norte. Quem sabe ganho a casinha dos meus sonhos...

Esse mundo eu podia imaginar nos anos 80, antes dos meus vinte anos. Agora não dá mais. Mas quem sou eu pra dizer isso... Diga você: ingênuo o filme ou ingênua eu?